quinta-feira, 31 de março de 2011

MANIFESTO DA POESIA PAU-BRASIL - 3a. SÉRIE - E.M.

Manifesto da Poesia Pau-Brasil
::. Manifesto da Poesia Pau-Brasil

O manifesto da poesia Pau-Brasil foi escrito, em Paris, por Oswald de Andrade e publicado, pela primeira vez, na edição de 18 de março de 1924 do jornal do "Correio da manhã". No ano seguinte, após algumas alterações, o Manifesto abria o livro de poesias "Pau-Brasil" de Oswald de Andrade.

O nome Pau-Brasil foi escolhido por Oswald porque essa madeira foi o primeiro produto brasileiro a ser exportado. Sob essa ótica, o movimento propunha uma literatura genuinamente brasileira e de nível internacional, ou seja, de "exportação".

Confira abaixo o manifesto na íntegra:
Nota: respeitou-se a ortografia da época.


Manifesto da Poesia Pau-Brasil (1924)

A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da Favela, sob o azul cabralino, são fatos estéticos.
O Carnaval no Rio é o acontecimento religioso da raça. Pau-Brasil. Wagner submerge ante os cordões de Botafogo. Bárbaro e nosso. A formação étnica rica. Riqueza vegetal. O minério. A cozinha. O vatapá, o ouro e a dança.
Toda a história bandeirante e a história comercial do Brasil. O lado doutor, o lado citações, o lado autores conhecidos. Comovente. Rui Barbosa: uma cartola na Senegâmbia. Tudo revertendo em riqueza. A riqueza dos bailes e das frases feitas. Negras de Jockey. Odaliscas no Catumbi. Falar difícil.

O lado doutor. Fatalidade do primeiro branco aportado e dominando politicamente as selvas selvagens. O bacharel. Não podemos deixar de ser doutos. Doutores. País de dores anônimas, de doutores anônimos. O Império foi assim. Eruditamos tudo. Esquecemos o gavião de penacho.
A nunca exportação de poesia. A poesia anda oculta nos cipós maliciosos da sabedoria. Nas lianas da saudade universitária.
Mas houve um estouro nos aprendimentos. Os homens que sabiam tudo se deformaram como borrachas sopradas. Rebentaram.
A volta à especialização. Filósofos fazendo filosofia, críticos, critica, donas de casa tratando de cozinha.
A Poesia para os poetas. Alegria dos que não sabem e descobrem.
Tinha havido a inversão de tudo, a invasão de tudo : o teatro de tese e a luta no palco entre morais e imorais. A tese deve ser decidida em guerra de sociólogos, de homens de lei, gordos e dourados como Corpus Juris.
Ágil o teatro, filho do saltimbanco. Agil e ilógico. Ágil o romance, nascido da invenção. Ágil a poesia. A poesia Pau-Brasil. Ágil e cândida. Como uma criança.
Uma sugestão de Blaise Cendrars : - Tendes as locomotivas cheias, ides partir. Um negro gira a manivela do desvio rotativo em
que estais. O menor descuido vos fará partir na direção oposta ao vosso destino.
Contra o gabinetismo, a prática culta da vida. Engenheiros em vez de jurisconsultos, perdidos como chineses na genealogia das idéias.
A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos.
Não há luta na terra de vocações acadêmicas. Há só fardas. Os futuristas e os outros.
Uma única luta - a luta pelo caminho. Dividamos: Poesia de importação. E a Poesia Pau-Brasil, de exportação.
Houve um fenômeno de democratização estética nas cinco partes sábias do mundo. Instituíra-se o naturalismo. Copiar. Quadros de carneiros que não fosse lã mesmo, não prestava. A interpretação no dicionário oral das Escolas de Belas Artes queria dizer reproduzir igualzinho... Veio a pirogravura. As meninas de todos os lares ficaram artistas. Apareceu a máquina fotográfica. E com todas as prerrogativas do cabelo grande, da caspa e da misteriosa genialidade de olho virado - o artista fotógrafo.
Na música, o piano invadiu as saletas nuas, de folhinha na parede. Todas as meninas ficaram pianistas. Surgiu o piano de manivela, o piano de patas. A pleyela. E a ironia eslava compôs para a pleyela. Stravinski.
A estatuária andou atrás. As procissões saíram novinhas das fábricas.
Só não se inventou uma máquina de fazer versos - já havia o poeta parnasiano.
Ora, a revolução indicou apenas que a arte voltava para as elites. E as elites começaram desmanchando. Duas fases: 1a) a deformação através do impressionismo, a fragmentação, o caos voluntário. De Cézanne e Malarmé, Rodin e Debussy até agora. 2a) o lirismo, a apresentação no templo, os materiais, a inocência construtiva.
O Brasil profiteur. O Brasil doutor. E a coincidência da primeira construção brasileira no movimento de reconstrução geral. Poesia Pau-Brasil.
Como a época é miraculosa, as leis nasceram do próprio rotamento dinâmico dos fatores destrutivos.
A síntese
O equilíbrio
O acabamento de carrosserie
A invenção
A surpresa
Uma nova perspectiva
Uma nova escala.
Qualquer esforço natural nesse sentido será bom. Poesia Pau-Brasil
O trabalho contra o detalhe naturalista - pela síntese; contra a morbidez romântica - pelo equilíbrio geômetra e pelo
acabamento técnico; contra a cópia, pela invenção e pela surpresa.
Uma nova perspectiva.
A outra, a de Paolo Ucello criou o naturalismo de apogeu. Era uma ilusão ética. Os objetos distantes não diminuíam. Era uma lei de aparência. Ora, o momento é de reação à aparência. Reação à cópia. Substituir a perspectiva visual e naturalista por uma perspectiva de outra ordem: sentimental, intelectual, irônica, ingênua.
Uma nova escala:
A outra, a de um mundo proporcionado e catalogado com letras nos livros, crianças nos colos. O redame produzindo letras maiores que torres. E as novas formas da indústria, da viação, da aviação. Postes. Gasômetros Rails. Laboratórios e oficinas técnicas. Vozes e tics de fios e ondas e fulgurações. Estrelas familiarizadas com negativos fotográficos. O correspondente da surpresa física em arte.
A reação contra o assunto invasor, diverso da finalidade. A peça de tese era um arranjo monstruoso. O romance de idéias, uma mistura. O quadro histórico, uma aberração. A escultura eloquente, um pavor sem sentido.
Nossa época anuncia a volta ao sentido puro.
Um quadro são linhas e cores. A estatuária são volumes sob a luz.
A Poesia Pau-Brasil é uma sala de jantar domingueira, com passarinhos cantando na mata resumida das gaiolas, um sujeito magro compondo uma valsa para flauta e a Maricota lendo o jornal. No jornal anda todo o presente.
Nenhuma fórmula para a contemporânea expressão do mundo. Ver com olhos livres.
Temos a base dupla e presente - a floresta e a escola. A raça crédula e dualista e a geometria, a algebra e a química logo depois da mamadeira e do chá de erva-doce. Um misto de "dorme nenê que o bicho vem pegá" e de equações.
Uma visão que bata nos cilindros dos moinhos, nas turbinas elétricas; nas usinas produtoras, nas questões cambiais, sem perder de vista o Museu Nacional. Pau-Brasil.
Obuses de elevadores, cubos de arranha-céus e a sábia preguiça solar. A reza. O Carnaval. A energia íntima. O sabiá. A hospitalidade um pouco sensual, amorosa. A saudade dos pajés e os campos de aviação militar. Pau-Brasil.
O trabalho da geração futurista foi ciclópico. Acertar o relógio império da literatura nacional.
Realizada essa etapa, o problema é outro. Ser regional e puro em sua época.
O estado de inocência substituindo o estada de graça que pode ser uma atitude do espírito.
O contrapeso da originalidade nativa para inutilizar a adesão acadêmica.
A reação contra todas as indigestões de sabedoria. O melhor de nossa tradição lírica. O melhor de nossa demonstração moderna.
Apenas brasileiros de nossa época. O necessário de química, de mecânica, de economia e de balística. Tudo digerido. Sem meeting cultural. Práticos. Experimentais. Poetas. Sem reminiscências livrescas. Sem comparações de apoio. Sem pesquisa etimológica. Sem ontologia.
Bárbaros, crédulos, pitorescos e meigos. Leitores de jornais. Pau-Brasil. A floresta e a escola. O Museu Nacional. A cozinha, o minério e a dança. A vegetação. Pau-Brasil.
OSWALD DE ANDRADE
Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 18 de março de 1924.


APPENDIX PROBI - para alunos de Filologia Portuguesa

Dêixis segundo Mattoso

Dêixis
Faculdade que tem a linguagem de designar mostrando, em vez de conceituar. A designação dêitica, ou mostrativa, figura assim ao lado da designação simbólica ou conceptual em qualquer sistema lingüístico. Podemos dizer que o signo linguístico apresenta-se em dois tipos - o símbolo, em que um conjunto sônico representa ou simboliza, e o sinal, em que o conjunto sônico indica ou mostra (v. símbolo). O pronome (v.) é justamente o vocábulo que se refere aos seres por dêixis em vez de o fazer por simbolização como os nomes (v.). Essa dêixis se baseia no esquema linguístico das 3 pessoas gramaticais que norteia o discurso: a que fala, a que ouve e todos os mais seres situados fora do eixo falante-ouvinte.
CAMARA JR., J. Mattoso. Filosofia e Gramática. 3º ed. Rio de Janeiro, J. Ozon+Editor, 1968. p. 109.

Pronomes - Recomendado para Alunos de Morfologia - PORT III

Material de qualidade sobre pronomes, de autoria da equipe do PEAD - Aparecida Pinilla, Cristina Rigoni, Ma. Teresa Indiani. Vale ler, pelo caráter objetivo e pelo conteúdo confiável.



A classe dos pronomes abrange vocábulos que nem sempre têm as mesmas características funcionais, mórficas ou semânticas. De modo mais geral, estas seriam as características dos pronomes:
  • vocábulo que substitui o núcleo de uma expressão ou que funciona como termo determinante do núcleo de uma expressão (critério funcional);
  • vocábulo formado por base gramatical, podendo ou não ser flexionado, concordando com o núcleo do sintagma (critério formal ou mórfico);
  • vocábulo que serve para designar, indicar pessoas ou coisas, qualidades, ações, estados, quantidades, mesmo não as nomeando, tomando como referência as pessoas do discurso (critério semântico).
Quando o pronome situa ou indica os seres no espaço, tem uma função dêitica, como, por exemplo este, esse ou aquele, que indicam maior ou menor proximidade em relação ao falante ou ao ouvinte.
Exemplo:
"Este ano não vai ser igual àquele que passou
Eu não brinquei, você também não brincou
Aquela fantasia que eu comprei ficou guardada
E a sua também ficou pendurada
Este ano tá combinado:
Nós vamos brincar separados
(Letra da marchinha popular Máscara Negra)
Quando o pronome se refere a um termo já presente no texto, dizemos que tem função anafórica.
Exemplo:
A programação das rádios é muito variada, indo da música clássica à música popular, porque alguns ouvintes gostam mais desta, outros preferem aquela.

No texto acima, o pronome esta se refere à música popular, e o pronome aquela se refere à música clássica.
Resumindo, quando o pronome faz uma indicação no espaço, temos a dêixis, e os pronomes são chamados dêiticos; quando faz uma referência a um elemento do texto, temos a anáfora, e os pronomes são chamados anafóricos. Essas duas funções são essenciais à coesão interna do texto.
Quadro dos Pronomes
pessoais
(designam as pessoas do discurso)
retos: eu, tu, ele, nós, vós, eles
oblíquos: me, mim, (co)migo - nos, (co)nosco
te, ti, (con)tigo - vos, (con)vosco
o,a,lhe,se,si,(con)sigo - os,as,lhes,se,si,(con)sigo
tratamento: você, Vossa Excelência, Vossa Senhoria, etc.
possessivos
(atribuem um nome substantivo a uma pessoa do discurso)
meu(s), minha(s), nosso(s), nossa(s)
teu(s), tua(s), vosso(s), vossa(s)
seu(s), sua(s), dele(s), dela(s)
demonstrativos
(indicam posição em relação às pessoas do discurso)
este(s), esta(s) , isto
esse(s), essa(s), isso
aquele(s), aquela(s), aquilo
indefinidos
(indeterminam o ser a que se referem)
algum, nenhum, todo, outro, muito, pouco, certo (e mais as flexões de gênero e número), alguém, ninguém, cada, nada, etc.
interrogativos
(indicam o elemento sobre o qual se quer uma informação)
que, quem, (o, a) qual, (os, as) quais
relativos
(substituem um nome que os antecede, funcionando como conector inter-oracional)
que, onde, cujo (a, as, os)

Três noções gramaticais são próprias dos pronomes, e são elas que marcam a diferença entre os pronomes e os nomes (substantivos e adjetivos). Essas noções não são expressas por meio de desinências, e sim por meio de outras formas pronominais.
1) pessoa gramatical - esta noção é básica para o funcionamento da maioria dos pronomes: pessoais, possessivos e demonstrativos, partindo sempre do ponto de vista do falante.
Pessoa gramatical- Indicação mórfica dos participantes do processo de comunicação: o falante, o ouvinte e tudo que é distinto de ambos.
Esses três participantes são comumente designados como a primeira, a segunda e a terceira pessoas gramaticais:
a primeira (o falante);
a segunda (o ouvinte);
a terceira (tudo que é distinto de ambas).
Todas três admitem uma forma plural:
  • quando o falante se incorpora numa pluralidade (1a pessoa do plural);
  • quando o falante se dirige a uma pluralidade (2a pessoa do plural);
  • quando o falante se refere a uma pluralidade distinta dele e do ouvinte (3a pessoa do plural).
Portanto, a categoria pessoa gramatical, no português, se realiza por meio de seis formas distintas.
O quadro abaixo apresenta as desinências número-pessoais relativas às seis pessoas do discurso, que podem ser designadas como P1 (pessoa 1), P2 (pessoa 2), etc.
P1
1ª. pessoa do singularÆ (não marcada)
P22ª. pessoa do singularÆ (não marcada)
P33ª. pessoa do singular-s
P41ª. pessoa do plural-mos
P52ª. pessoa do plural-is
P63ª. pessoa do plural-m
2) gênero neutro - os pronomes constituem a única classe de vocábulos em que se utiliza o gênero neutro para fazer referências a coisas inanimadas. Isso está restrito aos pronomes demonstrativos: isto, isso aquilo.
3) caso - os pronomes pessoais apresentam formas diferentes para expressar diferentes funções sintáticas, acompanhados ou não de preposição.
Ex: "A senhora que me1 disse isto cuido que gostou de mim2" (Machado de Assis)
1 objeto indireto (pronome)
2 objeto indireto (prep+pron)
Categorias de gênero e de número
Da mesma forma que os nomes (substantivos e adjetivos), a maioria dos pronomes pode expressar as noções de gênero (masculino e feminino) e de número (singular e plural). Observe:
· ... por não achar de minha parte correspondência aos seus afetos...
minha - feminino singular
seus - masculino plural
· Outros olhos me procuravam também.
Outros - masculino plural
· Naquele tempo, por mais mulheres bonitas que achasse ...
naquele (em + aquele) - masculino singular
· ... tendo aliás confessado a princípio as minhas aventuras vindouras ...
minhas - feminino plural
Diferentes tipos de pronomes da língua portuguesa podem ser observados no texto de Machado de Assis, comentado a seguir:
Texto 2
Trecho extraído de Dom Casmurro
"A senhora que me disse isto cuido que gostou de mim, e foi naturalmente por não achar da minha parte correspondência aos seus afetos que me explicoudaquela maneira os seus olhos teimosos. Outros olhos me procuravam também, não muitos, e não digo nada sobre eles, tendo aliás confessado a princípio minhas aventuras vindouras. Naquele tempo, por mais mulheres bonitas que achasse, nenhuma receberia a mínima parte do amor que tinha a Capitu. À minha própria mãe não queria mais que metade. Capitu era tudo e mais que tudo; não vivia nem trabalhava que não fosse pensando nela. Ao teatro íamos juntos; só me lembra que fosse duas vezes sem ela, um benefício de ator, e uma estréia de ópera, a que ela não foi por ter adoecido, mas quis por força que eu fosse."
(Machado de Assis)

Comentário sobre o texto 2
No texto , escrito em primeira pessoa, o narrador conta uma passagem de sua vida com Capitu, destacando o seu amor por ela. A polarização entre os dois personagens reflete a relação problemática entre eles.
Os pronomes desempenham nesse texto um importante papel para a sua coesão interna, indicando com clareza os personagens (Bentinho e Capitu) e tudo que lhes diz respeito.
Bentinho
Capitu
me disseseus afetos
gostou de mimseus olhos teimosos
minha partepensando nela
me explicousem ela
me procuravamela não foi
minhas aventuras 
minha própria mãe 
que eu fosse 

Vamos sistematizar, a partir do texto de Machado de Assis, os três critérios que foram utilizados na caracterização dos pronomes:
A - Critério funcional
Os pronomes podem ter função substantiva e função adjetiva. Os pronomes pessoais têm função substantiva privativa, segundo Mattoso Câmara, pois a sua função é substituir as pessoas ou seres envolvidos no ato de comunicação.
Os outros pronomes prestam-se às duas funções, dependendo de estar acompanhando um substantivo, expresso ou oculto (pronome adjetivo, neste caso), ou de estar substituindo um substantivo (pronome substantivo).
Com base no trecho extraído de Dom Casmurro, podemos observar as diferentes funções dos pronomes na constituição do sintagma:
Pronome substantivo
Sintagma Nominal
VerboSintagma Nominal
Preposição
+
Sintagma Nominal
Capitueratudo 
eufosse  
 disseisto 
 disse me (=a mim)
 gostou de mim
 digonadasobre eles
 pensando nela
Pronome adjetivo
Preposição
Determinante
Determinante
Núcleo
de +aminhaparte
a +osseusafetos
de + aquelamaneira
 osseusolhos
  outrosolhos
  muitos[olhos]
  minhasaventuras
em + aqueletempo
  nenhumamulher]

B - Critério mórfico
Alguns pronomes são formados apenas por base gramatical, sendo portanto invariáveis:que, me, isto, nada, tudo, por exemplo.
Em outros pronomes, a base gramatical combina-se com outros morfemas também gramaticais. É o que acontece em seus, daquela, outros, muitos, eles, minhas, naquele, nenhuma, nela, nele, por exemplo.
C - Critério semântico
Como vocábulos que não têm significação externa, os pronomes se diferenciam, semanticamente, pela sua função no discurso:
Bentinho
(que) eu fosse
me disse
me lembra
me procuravam
gostou de mim
pessoais
 minha parte
minhas aventuras
minha mãe
possessivos

Capituela não foi
pensando nela
sem ela
pessoais
 seus afetos
seus olhos
possessivos
 daquela maneirademonstrativos

olhossobre elespessoais
 outros olhos
muitos olhos
indefinidos
Considerações finais sobre pronomes
No português do Brasil, temos observado uma redução drástica no quadro dos pronomes pessoais:
  • pronome nós, por exemplo, é constantemente substituído pela expressão a gente. Isto ocorre sobretudo na língua falada e em textos escritos em um registro mais informal. Muitos estudos têm sido feitos com o objetivo de apontar as prováveis causas desta mudança. Sugerimos a leitura do artigo de Célia Lopes "Nós por A Gente: uma contribuição da pesquisa sociolingüística ao ensino" .
  • o pronome tu, que é muito usado em algumas regiões do Brasil, (combinado à forma verbal de Segunda pessoa do singular), passou a ter um emprego mais geral, combinando com o verbo na terceira pessoa do singular, substituindo o pronome você.
  • o pronome vós tem um emprego muito restrito, tendo praticamente desaparecido da língua usual.
  • o emprego dos pronomes pessoais seu e dele pode resultar em ambigüidade do enunciado. Numa frase como:
Ele conta histórias de sua família e de sua origem
não há problema com relação ao pronome sua, que acompanha família. Fica claro que se trata da família dele. Já com relação ao pronome sua, que acompanha origem, há mais de uma possibilidade de leitura: tanto pode ser origem dele, (referindo-se ao sujeito da frase) como origem dela (referindo à família). Essa ambigüidade pode ser desfeita pelo contexto, mas a busca de clareza leva ao uso de dele ou dela, no lugar de seu ou sua, tanto na linguagem usual como na linguagem jornalística
Referência: Disponível em http://acd.ufrj.br/~pead/ 

Todo Mundo e Ninguém - Gil Vicente

LEITURA: “TODO MUNDO E NINGUÉM”
RECOMENDADA PARA 1ª. SÉRIE – E.M. - 1a. CERTIFICAÇÃO

INFORMAÇÕES SOBRE O AUTO DA LUSITÂNIA
O Auto da Lusitânia, uma das últimas peças de Gil vicente, foi escrito em 1531 e representado pela primeira vez em 1532, perante a corte de D. João III quando nasceu seu filho, D. Manuel.

A peça trata das bodas de Lusitânia e Portugal (personagens mitológicos), mas Gil Vicente, como muitas vezes faz, mistura no enredo e nos diálogos muitos temas, personagens, e cenas que constituem como "diversões" à margem do tema maior.

Lusitânia é filha de Lisibea (Lisboa) e do Sol, e por ela se apaixonou um caçador grego de nome Portugal. Quando os amores parecem desencaminhar-se, acorrem às deusas (diesas) gregas, com cuja proteção se decide então o casamento. Este o tema, que se desenrola da seguinte maneira: comça o auto com vários diálogos e recitativos de pessoas comuns acerca dos assuntos de amor e outros, alguns picarescos como convém a uma farsa, até que entra em cena o Licenciado, que faz o papel de narrador e representa Gil Vicente; ele introduz o tema das bodas dizendo que o Sol viu Lisibea nua sem nenhuma cobertura (...) e houve dela uma filha tão ornada se sua luz, que lhe puseram nome Lusitânia, que foi diesa e senhora desta Província. Passados tempos, um famoso cavaleiro grego de nome Portugal ouviu falar da boa caça na serra de Sintra (serra da Solércia), e como este Portugal, todo fundado em amores, visse a formosura sobrenatural de Lusitânia, filha do Sol, improviso se achou perdido por ela.

O texto tem ressonâncias no presente de Gil Vicente, que busca formar um panorama de sua terra, apreendendo a totalidade de suas raízes culturais.

O Auto da Lusitânia classifica-se como uma fantasia alegórica. A peça é dividida em duas partes distintas:

- na primeira parte, assiste-se às atribuições de uma família judaica;

- na segunda parte, assiste-se ao casamento de Portugal, cavaleiro grego, com a princesa Lusitânia. Dois demônios, Belzebu e Dinato, que aparecem no texto vêm presenciar o casamento e escutam o diálogo entre Todo o Mundo e Ninguém.

O autor deu o nome de Todo o Mundo e Ninguém às suas personagens principais desta cena. Pretendeu com isso fazer humor, caracterizando o rico mercador, cheio de ganância, vaidade, petulância, como se ele representasse a maioria das pessoas na terra (todo o mundo). E atribuindo ao pobre, virtuoso, modesto, o nome de Ninguém, para demonstrar que praticamente ninguém é assim no mundo.

"Todo o Mundo" era um rico mercador, e "Ninguém", um homem pobre. Belzebu e Dinato tecem comentários espirituosos, fazem trocadilhos, procurando evidenciar temas ligados à verdade, à cobiça, à vaidade, à virtude e à honra dos homens. 

O TEXTO

Entra Todo o Mundo, rico mercador, e faz que anda buscando alguma cousa que perdeu; e logo após, um homem, vestido como pobre. Este se chama Ninguém e diz:

Ninguém: Que andas tu aí buscando?

Todo o Mundo: Mil cousas ando a buscar:
                         delas não posso achar, 
                         porém ando porfiando

                         por quão bom é porfiar. 

Ninguém: Como hás nome, cavaleiro?

Todo o Mundo: Eu hei nome Todo o Mundo
                         e meu tempo todo inteiro
                         sempre é buscar dinheiro
                         e sempre nisto me fundo.


Ninguém: Eu hei nome Ninguém,
               e busco a consciência.


Belzebu: Esta é boa experiência:
             Dinato, escreve isto bem.


Dinato: Que escreverei, companheiro? 

Belzebu: Que Ninguém busca consciência
              e Todo o Mundo dinheiro.


Ninguém: E agora que buscas lá? 

Todo o Mundo: Busco honra muito grande.

Ninguém: E eu virtude, que Deus mande
               que tope com ela já.


Belzebu: Outra adição nos acude:
              escreve logo aí, a fundo,
              que busca honra Todo o Mundo
              e Ninguém busca virtude.


Ninguém: Buscas outro mor bem qu'esse?

Todo o Mundo: Busco mais quem me louvasse
                         tudo quanto eu fizesse.


Ninguém: E eu quem me repreendesse
               em cada cousa que errasse.


Belzebu: Escreve mais.

Dinato: Que tens sabido? 

Belzebu: Que quer em extremo grado
              Todo o Mundo ser louvado,
              e Ninguém ser repreendido.


Ninguém: Buscas mais, amigo meu? 

Todo o Mundo: Busco a vida a quem ma dê.

Ninguém: A vida não sei que é,
               a morte conheço eu.


Belzebu: Escreve lá outra sorte.

Dinato: Que sorte? 

Belzebu: Muito garrida:
              Todo o Mundo busca a vida
              e Ninguém conhece a morte.


Todo o Mundo: E mais queria o paraíso,
                         sem mo Ninguém estorvar.


Ninguém: E eu ponho-me a pagar
               quanto devo para isso.


Belzebu: Escreve com muito aviso.

Dinato: Que escreverei?

Belzebu: Escreve
              que Todo o Mundo quer paraíso
              e Ninguém paga o que deve.


Todo o Mundo: Folgo muito d'enganar,
                         e mentir nasceu comigo.


Ninguém: Eu sempre verdade digo
               sem nunca me desviar.


Belzebu: Ora escreve lá, compadre,
              não sejas tu preguiçoso.


Dinato: Quê?

Belzebu: Que Todo o Mundo é mentiroso,
              E Ninguém diz a verdade.


Ninguém: Que mais buscas?

Todo o Mundo: Lisonjear.

Ninguém: Eu sou todo desengano.

Belzebu: Escreve, ande lá, mano.

Dinato: Que me mandas assentar?

Belzebu: Põe aí mui declarado,
              não te fique no tinteiro:
              Todo o Mundo é lisonjeiro,
              e Ninguém desenganado.