quinta-feira, 31 de março de 2011

Pronomes - Recomendado para Alunos de Morfologia - PORT III

Material de qualidade sobre pronomes, de autoria da equipe do PEAD - Aparecida Pinilla, Cristina Rigoni, Ma. Teresa Indiani. Vale ler, pelo caráter objetivo e pelo conteúdo confiável.



A classe dos pronomes abrange vocábulos que nem sempre têm as mesmas características funcionais, mórficas ou semânticas. De modo mais geral, estas seriam as características dos pronomes:
  • vocábulo que substitui o núcleo de uma expressão ou que funciona como termo determinante do núcleo de uma expressão (critério funcional);
  • vocábulo formado por base gramatical, podendo ou não ser flexionado, concordando com o núcleo do sintagma (critério formal ou mórfico);
  • vocábulo que serve para designar, indicar pessoas ou coisas, qualidades, ações, estados, quantidades, mesmo não as nomeando, tomando como referência as pessoas do discurso (critério semântico).
Quando o pronome situa ou indica os seres no espaço, tem uma função dêitica, como, por exemplo este, esse ou aquele, que indicam maior ou menor proximidade em relação ao falante ou ao ouvinte.
Exemplo:
"Este ano não vai ser igual àquele que passou
Eu não brinquei, você também não brincou
Aquela fantasia que eu comprei ficou guardada
E a sua também ficou pendurada
Este ano tá combinado:
Nós vamos brincar separados
(Letra da marchinha popular Máscara Negra)
Quando o pronome se refere a um termo já presente no texto, dizemos que tem função anafórica.
Exemplo:
A programação das rádios é muito variada, indo da música clássica à música popular, porque alguns ouvintes gostam mais desta, outros preferem aquela.

No texto acima, o pronome esta se refere à música popular, e o pronome aquela se refere à música clássica.
Resumindo, quando o pronome faz uma indicação no espaço, temos a dêixis, e os pronomes são chamados dêiticos; quando faz uma referência a um elemento do texto, temos a anáfora, e os pronomes são chamados anafóricos. Essas duas funções são essenciais à coesão interna do texto.
Quadro dos Pronomes
pessoais
(designam as pessoas do discurso)
retos: eu, tu, ele, nós, vós, eles
oblíquos: me, mim, (co)migo - nos, (co)nosco
te, ti, (con)tigo - vos, (con)vosco
o,a,lhe,se,si,(con)sigo - os,as,lhes,se,si,(con)sigo
tratamento: você, Vossa Excelência, Vossa Senhoria, etc.
possessivos
(atribuem um nome substantivo a uma pessoa do discurso)
meu(s), minha(s), nosso(s), nossa(s)
teu(s), tua(s), vosso(s), vossa(s)
seu(s), sua(s), dele(s), dela(s)
demonstrativos
(indicam posição em relação às pessoas do discurso)
este(s), esta(s) , isto
esse(s), essa(s), isso
aquele(s), aquela(s), aquilo
indefinidos
(indeterminam o ser a que se referem)
algum, nenhum, todo, outro, muito, pouco, certo (e mais as flexões de gênero e número), alguém, ninguém, cada, nada, etc.
interrogativos
(indicam o elemento sobre o qual se quer uma informação)
que, quem, (o, a) qual, (os, as) quais
relativos
(substituem um nome que os antecede, funcionando como conector inter-oracional)
que, onde, cujo (a, as, os)

Três noções gramaticais são próprias dos pronomes, e são elas que marcam a diferença entre os pronomes e os nomes (substantivos e adjetivos). Essas noções não são expressas por meio de desinências, e sim por meio de outras formas pronominais.
1) pessoa gramatical - esta noção é básica para o funcionamento da maioria dos pronomes: pessoais, possessivos e demonstrativos, partindo sempre do ponto de vista do falante.
Pessoa gramatical- Indicação mórfica dos participantes do processo de comunicação: o falante, o ouvinte e tudo que é distinto de ambos.
Esses três participantes são comumente designados como a primeira, a segunda e a terceira pessoas gramaticais:
a primeira (o falante);
a segunda (o ouvinte);
a terceira (tudo que é distinto de ambas).
Todas três admitem uma forma plural:
  • quando o falante se incorpora numa pluralidade (1a pessoa do plural);
  • quando o falante se dirige a uma pluralidade (2a pessoa do plural);
  • quando o falante se refere a uma pluralidade distinta dele e do ouvinte (3a pessoa do plural).
Portanto, a categoria pessoa gramatical, no português, se realiza por meio de seis formas distintas.
O quadro abaixo apresenta as desinências número-pessoais relativas às seis pessoas do discurso, que podem ser designadas como P1 (pessoa 1), P2 (pessoa 2), etc.
P1
1ª. pessoa do singularÆ (não marcada)
P22ª. pessoa do singularÆ (não marcada)
P33ª. pessoa do singular-s
P41ª. pessoa do plural-mos
P52ª. pessoa do plural-is
P63ª. pessoa do plural-m
2) gênero neutro - os pronomes constituem a única classe de vocábulos em que se utiliza o gênero neutro para fazer referências a coisas inanimadas. Isso está restrito aos pronomes demonstrativos: isto, isso aquilo.
3) caso - os pronomes pessoais apresentam formas diferentes para expressar diferentes funções sintáticas, acompanhados ou não de preposição.
Ex: "A senhora que me1 disse isto cuido que gostou de mim2" (Machado de Assis)
1 objeto indireto (pronome)
2 objeto indireto (prep+pron)
Categorias de gênero e de número
Da mesma forma que os nomes (substantivos e adjetivos), a maioria dos pronomes pode expressar as noções de gênero (masculino e feminino) e de número (singular e plural). Observe:
· ... por não achar de minha parte correspondência aos seus afetos...
minha - feminino singular
seus - masculino plural
· Outros olhos me procuravam também.
Outros - masculino plural
· Naquele tempo, por mais mulheres bonitas que achasse ...
naquele (em + aquele) - masculino singular
· ... tendo aliás confessado a princípio as minhas aventuras vindouras ...
minhas - feminino plural
Diferentes tipos de pronomes da língua portuguesa podem ser observados no texto de Machado de Assis, comentado a seguir:
Texto 2
Trecho extraído de Dom Casmurro
"A senhora que me disse isto cuido que gostou de mim, e foi naturalmente por não achar da minha parte correspondência aos seus afetos que me explicoudaquela maneira os seus olhos teimosos. Outros olhos me procuravam também, não muitos, e não digo nada sobre eles, tendo aliás confessado a princípio minhas aventuras vindouras. Naquele tempo, por mais mulheres bonitas que achasse, nenhuma receberia a mínima parte do amor que tinha a Capitu. À minha própria mãe não queria mais que metade. Capitu era tudo e mais que tudo; não vivia nem trabalhava que não fosse pensando nela. Ao teatro íamos juntos; só me lembra que fosse duas vezes sem ela, um benefício de ator, e uma estréia de ópera, a que ela não foi por ter adoecido, mas quis por força que eu fosse."
(Machado de Assis)

Comentário sobre o texto 2
No texto , escrito em primeira pessoa, o narrador conta uma passagem de sua vida com Capitu, destacando o seu amor por ela. A polarização entre os dois personagens reflete a relação problemática entre eles.
Os pronomes desempenham nesse texto um importante papel para a sua coesão interna, indicando com clareza os personagens (Bentinho e Capitu) e tudo que lhes diz respeito.
Bentinho
Capitu
me disseseus afetos
gostou de mimseus olhos teimosos
minha partepensando nela
me explicousem ela
me procuravamela não foi
minhas aventuras 
minha própria mãe 
que eu fosse 

Vamos sistematizar, a partir do texto de Machado de Assis, os três critérios que foram utilizados na caracterização dos pronomes:
A - Critério funcional
Os pronomes podem ter função substantiva e função adjetiva. Os pronomes pessoais têm função substantiva privativa, segundo Mattoso Câmara, pois a sua função é substituir as pessoas ou seres envolvidos no ato de comunicação.
Os outros pronomes prestam-se às duas funções, dependendo de estar acompanhando um substantivo, expresso ou oculto (pronome adjetivo, neste caso), ou de estar substituindo um substantivo (pronome substantivo).
Com base no trecho extraído de Dom Casmurro, podemos observar as diferentes funções dos pronomes na constituição do sintagma:
Pronome substantivo
Sintagma Nominal
VerboSintagma Nominal
Preposição
+
Sintagma Nominal
Capitueratudo 
eufosse  
 disseisto 
 disse me (=a mim)
 gostou de mim
 digonadasobre eles
 pensando nela
Pronome adjetivo
Preposição
Determinante
Determinante
Núcleo
de +aminhaparte
a +osseusafetos
de + aquelamaneira
 osseusolhos
  outrosolhos
  muitos[olhos]
  minhasaventuras
em + aqueletempo
  nenhumamulher]

B - Critério mórfico
Alguns pronomes são formados apenas por base gramatical, sendo portanto invariáveis:que, me, isto, nada, tudo, por exemplo.
Em outros pronomes, a base gramatical combina-se com outros morfemas também gramaticais. É o que acontece em seus, daquela, outros, muitos, eles, minhas, naquele, nenhuma, nela, nele, por exemplo.
C - Critério semântico
Como vocábulos que não têm significação externa, os pronomes se diferenciam, semanticamente, pela sua função no discurso:
Bentinho
(que) eu fosse
me disse
me lembra
me procuravam
gostou de mim
pessoais
 minha parte
minhas aventuras
minha mãe
possessivos

Capituela não foi
pensando nela
sem ela
pessoais
 seus afetos
seus olhos
possessivos
 daquela maneirademonstrativos

olhossobre elespessoais
 outros olhos
muitos olhos
indefinidos
Considerações finais sobre pronomes
No português do Brasil, temos observado uma redução drástica no quadro dos pronomes pessoais:
  • pronome nós, por exemplo, é constantemente substituído pela expressão a gente. Isto ocorre sobretudo na língua falada e em textos escritos em um registro mais informal. Muitos estudos têm sido feitos com o objetivo de apontar as prováveis causas desta mudança. Sugerimos a leitura do artigo de Célia Lopes "Nós por A Gente: uma contribuição da pesquisa sociolingüística ao ensino" .
  • o pronome tu, que é muito usado em algumas regiões do Brasil, (combinado à forma verbal de Segunda pessoa do singular), passou a ter um emprego mais geral, combinando com o verbo na terceira pessoa do singular, substituindo o pronome você.
  • o pronome vós tem um emprego muito restrito, tendo praticamente desaparecido da língua usual.
  • o emprego dos pronomes pessoais seu e dele pode resultar em ambigüidade do enunciado. Numa frase como:
Ele conta histórias de sua família e de sua origem
não há problema com relação ao pronome sua, que acompanha família. Fica claro que se trata da família dele. Já com relação ao pronome sua, que acompanha origem, há mais de uma possibilidade de leitura: tanto pode ser origem dele, (referindo-se ao sujeito da frase) como origem dela (referindo à família). Essa ambigüidade pode ser desfeita pelo contexto, mas a busca de clareza leva ao uso de dele ou dela, no lugar de seu ou sua, tanto na linguagem usual como na linguagem jornalística
Referência: Disponível em http://acd.ufrj.br/~pead/ 

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